Por que estudar Português?
Luan viu a nova professora entrar na sala como se entrava em
um parque de diversões. Parecia coisa de filme: a professora sorria de orelha a
orelha e estava mais animada que um furacão enquanto espalhava seu material
pela mesa e, pegando um giz, se dirigia para a frente da sala.
Como que por um milagre, a sala
ficou quieta, observando com expectativa e curiosidade enquanto a mulher, com a
pele da cor do café e os olhos escuros brilhando com as estrelas, voltava a
sorrir e saudava a turmas com um enérgico bom dia. Todos responderam em
unissono.
— Quem aí sabe me dizer o porque
estudamos literatura e gramática? — ela perguntou, abrindo os braços em um
gesto amplo em direção à sala, que permaneceu obstinadamente calada, sem fazer
ideia da resposta — Okay, quem sabe me falar uma escola literária?
Luan sabia que a tal escola
literária que a professora estava falando era um conjunto de características
que possuía a escrita em uma determinada fase da História e foi isso o que
respondeu a ela depois de levantar a mão. A mulher assentiu em aprovação e
falou:
— Agora, é basicamente isso que
vamos aprender. As características de obras da literatura em diferentes partes
da História. E a primeira escola literária é o Trovadorismo, que aconteceu durante
a Idade Média, as para ser melhor compreendida, eu vou citar uma escola literária
mais recente, o Naturalismo, cuja obra de grande destaque é O Cortiço, de
Aluísio Azevedo — a professor parou por alguns momentos, pensando — vocês
aprendem na aula de História que na época em que esse livro foi lançado,
mudanças profundas aconteceram no país como a abolição da escravidão dos negros
e a proclamação da república, certo?
— Certo... — concordou a sala,
ainda que estivesse incerta, não entendendo muito em que ponto aquela
professora queria chegar.
— Bem, mantendo isso em mente,
vamos dizer que eu ensine a vocês que o filme Um Amor para Recordar é muito
triste — continuou a professora com um sorriso cada vez mais divertido enquanto
a sala só ficava cada vez mais confusa — agora vocês sabem que o tal filme é
triste, mas vocês sentiram a tristeza que eu senti com ele?
— Não — respondeu a sala mais uma
vez em coro.
— Justamente, porque saber o que
algo é, não quer dizer que você consegue sentir isso. Do mesmo modo, em
História vocês aprendem que os portugueses escravizaram os negros, mas vocês
não têm como sentir o que os negros escravos sentiram. Também é assim com a
situação do Brasil do fim do século XIX, quando Aluísio Azevedo escreveu o
Cortiço. Vocês podem saber o que aconteceu, mas não sabem como as pessoas da
época se sentiam — exemplificou a professora e um caminho começava a se formar
na mente de Luan, mas ainda não era possível ver seu final — é o que a
literatura trás a vocês. As características desse tempo são apenas para que
vocês se acostumem antes de se lançarem para o incrível mundo de sentimento dos
livros. Ao ler um clássico, seja de qual época for, você entende e sente junto
com os personagens, você passar a compreender a História de um jeito muito mais
íntimo e realista, porque sente que também passou por aquilo junto com o
personagem.
— E por que isso é importante? —
perguntou um dos colegas de Luan ao lado dele, se recostando na cadeira até que
ela ficasse sobre duas pernas apenas.
— Porque ao entender a história e
a alma humana nesse nível tão essencial, vocês começam a ter um senso crítico.
Por exemplo, lendo Dom Casmurro, você pode começar a se perguntar sobre o papel
da mulher na sociedade e sobre as cobranças que elas tinham naquele tempo e em
como é parecido com hoje em dia transportando assim o problema para os dias
atuais. Isso o permitirá entender muito mais afundo os problemas sociais que o
Brasil pode estar enfrentando ou não atualmente, isso também vai fazer com que
você tenha a sensibilidade necessária para lidar com esses problemas sem
ofender ou magoar ninguém, porque vai ser muito mais fácil entender o outro.
— Então a literatura trás a tona o
senso crítico, a empatia, a sensibilidade e a percepção social de uma pessoa —
disse Luan sem poder se conter e a professora sorriu para ele, confirmando —
mas e a gramática?
— A gramática é o conjunto de
ferramentas que alguém pode usar para construir a literatura — respondeu a
professora simplesmente, balançando a cabeça de um lado para o outro e dando de
ombros — sem a gramática, nós não teríamos os livros e as obras que temos hoje,
pois cada autor acabaria obedecendo à sua própria forma de se expressar,
podendo iniciar até novos dialetos com isso. Precisamos de uma base firme para
começar a produzir literatura e a gramática é essa base.
— Você pode nos dar mais exemplos,
professora? — perguntou o amigo de Luan e a mulher assentiu.
— O Cortiço, a obra de que
estávamos falando, é um ótimo livro para as denúncias sociais como o racismo e
a negligência do governo ao estado de pobreza do povo. Também há os
personagens, que ilustram muito bem os brasileiros da época e de hoje — a
professora pensou melhor — um autor que ilustra muito bem as diversas
personalidades humanas é Machado de Assis. Um dos contos que mais me
assombraram dele foi um em que ele escreve sobre uma conversa de pai e filho.
Eu não me lembro o nome, mas durante todo o conto, o pai aconselha o filho de
como se portar como se fosse culto e bem apessoado mesmo não sendo,
aconselhando-o a ler o dicionário em busca de palavras difíceis para usar em
uma conversa, a frequentar livrarias e aprender a usar a retórica, entre outros
conselhos.
— E o que ele quis passar com
isso, psora? — perguntou uma aluna da frente da classe, impressionada com tudo
o que a mulher mais velha estava falando.
— Machado de Assis quis,
principalmente, ilustrar a figura daquela pessoa que finge ser inteligente e
culta, mas que na verdade não o é. Vocês podem pensar que é fácil identifica-las,
mas para quem nunca teve leituras como essa, é muito fácil cair na lábia de um
sem-vergonha como esses personagens — a professora esclareceu melhor — eu
consigo reconhecer esse tipo de pessoa por experiência e também porque li sobre
elas. Pessoas que não leem raramente conseguem a mesma coisa, porque a leitura,
como eu disse, traz a capacidade de entender as pessoas a sua volta, para o bem
ou para o mal. A prova de que isso acontece é fácil: quantas vezes vocês viram
alguém votar em um candidato apenas porque ele parecia melhor vestido e com um
jeito de falar mais difícil?
— É verdade, minha avó deixou de
votar em um político uma vez porque disse que a roupa dele era muito desleixada
— confidenciou o amigo de Luan, que riu junto ao resto da sala, ainda que
tivessem entendido o que a professora quis dizer.
— Isso mesmo, Carlinhos, é esse o
exemplo perfeito — aprovou ela e continuou falando — com isso nós também
podemos estabelecer um paralelo. Se eu sei reconhecer uma pessoa como esses
salafrários por experiência e por ter lido sobre esse tipo de pessoa, então em
um quadro geral, a experiência seria aprender a literatura e ler os clássicos
dela, e a teoria, a parte em que eu li, é o que vocês aprender em História.
A professora sorriu quando a sala
pareceu animada e Luan se recostou de volta na cadeira, pensando no que ela
quisera dizer e passar, percebendo que tudo aquilo parecia fazer muito sentido.
Inspirado pela aula e com uma súbita vontade de ler, ele levantou a mão para
pedir à professora para ir para a biblioteca.
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