Por que estudar Filosofia?

A professora entrou na sala de aula no primeiro dia de aula. Não desejou bom dia a ninguém, nem mesmo olhou para os alunos, que a esperavam em um silêncio cheio de curiosidade: todos tinham ouvido de outras salas que aquela era a melhor professora de filosofia da escola inteira.

Ela entrou, deixou seu material na mesa e fez chamada, tudo com um semblante sério, sem traços de simpatia ou boa educação, o que gerou de imediato um burburinho desaprovador entre os alunos, todas as suas expectativas foram frustradas ao máximo. Por fim, a professora se levantou, foi até a primeira carteira e sussurrou ao ouvido da menina que se sentava ali.

A menina, cujo nome era Alice, virou-se, confusa, e sussurrou ao ouvido de seu colega de trás, que fez o mesmo com o colega de trás e assim até o último aluno.

A professora se dirigiu à lousa e escreveu:

Por que estudamos Filosofia?

Então se virou e perguntou:

"Qual é o meu nome?"

Em coro, a sala respondeu:

"Maria Clara"

A professora sorriu como quem sabe um segredo e voltou a perguntar:

"Como vocês sabem disso?"

Todos os alunos se entreolharam, confusos.

"Você falou, professora" Ian, um dos alunos, falou, tão confuso quanto seus colegas.

"Falei mesmo?" perguntou a professora "não me lembro de ter falado para todos vocês o meu nome"

"Mas vocês falou para mim" disse Alice da primeira carteira.

"E quem garante que eu falei o meu nome? Quem garante que eu não menti para você? Quem garante que você não mentiu?" perguntou a professora. Toda a sala estava em um silêncio confuso e de admiração "do mesmo modo, por que vocês acreditaram no que os outros alunos falavam sobre mim? Por que não esperaram para tomar as próprias impressões?"

"Por que essas pessoas mentiram?" Ian voltou a perguntar e a professora voltou a sorrir.

"De fato, por que mentiriam?" ela pareceu parar e pensar "por poder e dinheiro, como um político corrupto, ou por fama? Porque sua percepção de realidade foi distorcida pelas suas emoções? Porque eles confiaram em relatos de terceiros, talvez. Há muitas razões para a mentira, por isso há muitas razões para se duvidar do que se ouve, mesmo que venha de alguém que você respeita."

Ela bateu os nós dos dedos na lousa.

"E por isso que estudamos Filosofia, para questionar as verdades que nos são ensinadas desde sempre. Os filósofos da Grécia Antiga focavam seus questionamentos na natureza e na vida porque a religião ensinava que tudo fora criado magicamente, mesmo que não houvessem provas que sustentassem essa teoria, por exemplo. Por isso a filosofia existe: para aprendermos a questionar as verdades que nossos pais, nossos amigos, nossa Igreja, nosso governo ensinam. E é por isso que os outros acham a filosofia perigosa: por que com os questionamentos, nós impedimos os outros de controlar no que acreditamos."

"Controlar?" perguntou Alice timidamente, mas parecendo duvidosa. A professora considerou a pergunta.

"Eu fiz faculdade de filosofia" disse afinal "isso significa que eu sei filosofia?"

"É claro" Ian respondeu como se fosse óbvio, antes de lançar um olhar de desculpas para a professora, que não fez caso.

"Mas e se eu não estudei? E se eu fosse uma péssima aluna? E se eu passei na faculdade mesmo sem aprender quase nada?" a professora perguntou "independente dessas variáveis, as pessoas leigas acreditarão no que eu falar sobre filosofia, porque supostamente, eu sei mais do que elas. Elas acreditariam em mim mesmo que fosse mentira, ou exagero, ou a minha opinião. Por isso existiram as Cruzadas, por exemplo. Os fiéis não conheciam a religião, portanto acreditavam no que os padres falavam sobre religião. Talvez, se essas pessoas tivessem um pouco de compreensão a cerca da filosofia, elas questionassem o motivo pela qual deveriam causar uma guerra por causa de religião. É o que eu vou ensiná-los a fazer. Meu nome e Sofia e é um prazer conhecê-los."

Enquanto ela se dirigia de volta a sua mesa, Ian perguntou:

"Como vamos saber se você está falando a verdade dessa vez?"

"Pesquise" disse a professora com um sorriso satisfeito.